Meta Reciclagem

Michael Reddy (1979) demonstrou que muito da linguagem que usamos para descrever outra linguagem é conceitualizada e estruturada pelo que ele refere como um “duto metafórico”, que diz que ideias podem ser expressadas e interpretadas pela linguagem. Interconectam estas três metáforas:

  1. Conceitos, pensamentos, sentimentos, significados, sentido e idéias são objetos.
  2. Palavras, sentenças, e assim por diante são contêineres (como um “dentro” e um “fora”) para estes objetos.
  3. Finalmente, comunicação é o ato de envio e recepção destes contêineres (através de um duto). (fonte)

Podemos sugerir um método similar para as práticas da meta reciclagem guiados pela primeira metáfora sugerida por Reddy.
Para se propor parte-se de um princípio, um conceito. Este conceito foi elaborado através de pensamentos sujeitos a sentimentos que se projetam para um sentido. A materialização deste apanhado imaterial em objeto encerra o ciclo.

Todavia devemos nos resguardar e não nos confundir encerrando por aqui a complexidade do assunto a ser tratado. Este esboço não tem a pretensão de definir o que é meta reciclagem, ou até mesmo limitar suas práticas com base nos dados relatados. Este esboço objetiva-se em expor de forma clara as experiências de uma prática da meta reciclagem sob a ótica de um experimentador. Uma vez que "meta reciclagem" é visto aqui como um termo usado de forma apressada e distancia-se de seu real exercício.

Meta reciclagem pode ser, mas não é reciclagem.

Parte-se aqui do princípio que a prática da meta reciclagem não envolve os processos complexos típicos da reciclagem, pois dessa forma esta não alcançaria a concretização de sua prática social. Devemos primeiramente conceituar reciclagem para a partir daí prosseguirmos.
Segundo a wikipédia: "A reciclagem é o termo geralmente utilizado para designar o reaproveitamento de materiais beneficiados como matéria-prima para um novo produto. Muitos materiais podem ser reciclados e os exemplos mais comuns são o papel, o vidro, o metal e o plástico. As maiores vantagens da reciclagem são a minimização da utilização de fontes naturais, muitas vezes não renováveis; e a minimização da quantidade de resíduos que necessita de tratamento final, como aterramento, ou incineração. O conceito de reciclagem serve apenas para os materiais que podem voltar ao estado original e ser transformado novamente em um produto igual em todas as suas características. O conceito de reciclagem é diferente do de reutilização. O reaproveitamento ou reutilização consiste em transformar um determinado material já beneficiado em outro. Um exemplo claro da diferença entre os dois conceitos, é o reaproveitamento do papel. O papel chamado de reciclado não é nada parecido com aquele que foi beneficiado pela primeira vez. Este novo papel tem cor diferente, textura diferente e gramatura diferente. Isto acontece devido a não possibilidade de retornar o material utilizado ao seu estado original e sim transformá-lo em uma massa que ao final do processo resulta em um novo material de características diferentes."
Como o termo reciclagem refere-se à materiais que podem voltar ao estado original devemos aqui descartar a ideia de reciclagem na ação de restauração de determinada substância ao seu estado original.

O processo de reaproveitamento poderia caber, todavia não será debatido sob a ótica de que os "meta recicleiros", geralmente, não utilizam de processos industriais em suas práticas.

Ainda assim utilizaremos do discurso da reciclagem e da responsabilidade ambiental sobretudo referente aos equipamentos eletrônicos e resíduos sólidos, uma vez que os atores envolvidos com a meta reciclagem, em diversos casos validam sua prática com o discurso desta. Para refletir sobre estas questões torna-se necessário uma leitura da LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010 onde institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Além do Capítulo II, artigo 3º e parágrafos VI, VII e XI respectivamente, define:
VI - controle social: conjunto de mecanismos e procedimentos que garantam à sociedade informações e participação nos processos de formulação, implementação e avaliação das políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos;

VII - destinação final ambientalmente adequada: destinação de resíduos que inclui a reutilização, a reciclagem, a compostagem, a recuperação e o aproveitamento energético ou outras destinações admitidas pelos órgãos competentes do Sisnama, do SNVS e do Suasa, entre elas a disposição final, observando normas operacionais específicas de modo a evitar danos ou riscos à saúde pública e à segurança e a minimizar os impactos ambientais adversos;
XI - gestão integrada de resíduos sólidos: conjunto de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, de forma a considerar as dimensões política, econômica, ambiental, cultural e social, com controle social e sob a premissa do desenvolvimento sustentável;
Capítulo II, artigo VII, parágrafo VIII:
VIII - articulação entre as diferentes esferas do poder público, e destas com o setor empresarial, com vistas à cooperação técnica e financeira para a gestão integrada de resíduos sólidos;
Bem como na extensão da lei supra citada não fica claro qual o papel do estado na implementação de políticas públicas voltadas para o potencial de produção artística, educacional, da inovação e do desenvolvimento a partir destes mesmos equipamentos. Fica estabelecido e isso é um avanço, as premissas para o controle do descarte dos equipamentos e demais sólidos.
O significado do termo meta reciclagem está direcionado para uma prática social de empoderamento dos sujeitos para transformação de objetos, em especial equipamentos eletrônicos, em bijuterias, enfeites de todo tipo e em alguns casos de notável atenção em artefatos e ferramentas de ensino-aprendizado, pois se caracterizam como equipamentos sociais de desenvolvimento e apreensão do conhecimento, objetos de intervenção social, artística e de inovação científica.

Em atenção à estes discorremos sobre a meta reciclagem e seu possível significado.

De acordo com o sítio: http://www.metareciclagem.org/: MetaReciclagem é uma rede auto-organizada que propõe a desconstrução da tecnologia para a transformação social. Portanto não define o termo "meta reciclagem" como algo, mas para quê.

Desta forma podemos nos sentir livres para estudar este movimento e suas práticas de forma que em algum momento possamos encontrar um significado para o termo.

Partindo do princípio de que qualquer indivíduo pode praticar ações que fazem referências às práticas já expostas no portal, e que em sua maioria estes mesmos indivíduos se alto identificam "meta recicleiros" faz-se necessário um olhar próximo de suas práticas e meios de organização.

De onde vem estes meta recicleiros?
Em sua maioria se caracterizam como entusiastas da tecnologia, em especial software livre, egressos de projetos e organizações sociais que trabalharam em algum momento com a temática da inclusão digital.
Em geral possuem uma forma peculiar de explicar ou significar suas produções, suas relações com a arte, a eletrônica e as ferramentas computacionais se mostra de forma bastante evidente. Organizam-se em grupos onde não há a necessidade de "corpo presente", ou seja, não é necessário o contato físico para se estabelecerem e não há um prazo de vida destes grupos que se auto-organizam, fundindo-se e desfazendo-se rapidamente. O que não significa que esteja extinto suas pretensões ou mesmo que o fato da dissolução tenha ocorrido por enfraquecimento dos conceitos, ao contrário, a dissolução destes grupos e a formação de novos evidencia a força e plasticidade da sua organização.  

Para quê serve a meta reciclagem?
Atender as expectativas individuais em determinada circunstância onde a intenção não é a de adquirir um bem, mas de suprir uma necessidade "imediata", de potencialização de algum conhecimento de forma que sua propagação se torne mais eficaz e pelo sentimento de experimentação. Pode servir para diminuir o emprego de matéria-prima na fabricação de objetos e artefatos de necessidade casual. Todavia não pode ser concebido apenas como um meio de reciclar.

Como se caracteriza:
A meta reciclagem geralmente utiliza o emprego de equipamentos eletrônicos e objetos diversificados que se encontram em estado de sub-utilização ou desuso.
Observa-se que em experimentos mais elaborados de emprego da meta reciclagem utilizou-se uma base de conhecimentos prévios, criatividade e inovação para se empoderar do objeto e ele transformar.

Meta reciclagem pode ser, mas não é artesanato.
Segundo a Wikipedia: O artesanato é tradicionalmente a produção de caráter familiar, na qual o produtor (artesão) possui os meios de produção (sendo o proprietário da oficina e das ferramentas) e trabalha com a família em sua própria casa, realizando todas as etapas da produção, desde o preparo da matéria-prima, até o acabamento; ou seja, não havendo divisão do trabalho ou especialização para a confecção de algum produto. Em algumas situações o artesão tinha junto a si um ajudante ou aprendiz.
Podemos observar que o artesão realiza todas as etapas da produção, desde o preparo da matéria-prima, na prática meta reciclagem isso pode ocorrer, todavia esta se estabelece como uma ação de transformação do que já existe em algo que também pode já existir, no entanto, um objeto que não possui aquela função passou a exercê-la. Temos aqui uma transformação da função social de um objeto transposto para assumir uma outra.

Como fazer:
Paulo Freire diz que: "Só aprende aquele que se apropria do aprendido transformando-o em apreendido, com o que pode por isso  mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existentes concretas."

Desta forma podemos afirmar que não é qualquer indivíduo, em qualquer momento, que vai empregar as práticas da meta reciclagem.

Segundo Piaget, o conhecimento não pode ser concebido como algo predeterminado desde o nascimento (inatismo), nem como resultado do simples registro de percepções e informações (empirismo).

Resulta das ações e interações do sujeito com o ambiente onde vive.
Todo o conhecimento é uma construção que vai sendo elaborada desde a infância, através de interações do sujeito com os objetos que procura conhecer, sejam eles do mundo físico ou cultural.
Segundo Piaget, o conhecimento resulta de uma interrelação entre o sujeito que conhece e o objeto a ser conhecido.
[...] O pensamento vai se tornando cada vez mais complexo e abrangente, interagindo com objetos do conhecimento cada vez mais abstratos e diferenciados. (fonte)
Práticas da meta reciclagem:
  • Descaracterizar - Para esta prática torna-se necessário utilizar uma base de conhecimentos prévios e criatividade para se empoderar do objeto e ele transformar.
  • Interpretar - É a partir da interação que o indivíduo se apropria do objeto e elabora esquemas mentais complexos que tornam possíveis a compreensão do funcionamento de determinado objeto e projeta para este uma nova função.
  • Re-Significar - A partir do planejamento e conclusão do feito é que se idealiza a prática. A reflexão sobre a prática e função projeta sentido e significado às causas, neste caso ao objeto e sua função.
  • Utilizar - Deve ser empregado e posto em ação, não apenas para servir de enfeite ou decoração. Aqui o objeto assume um novo papel e este torna-se importante por si próprio e sua função, não mais relegada ao momento da pré-criação, da concepção. O autor se tornar ator e se iguala aos pares na experiência de aprender novamente.
O que é meta reciclagem:
É a ação de determinado sujeito com vistas para a transformação da função social de determinado objeto. Direcionando sua ação em potencial para utilização a serviço de uma necessidade individual ou coletiva.
É a re-significação do objeto e sujeito em uma nova perspectiva de relação onde as partes satisfazem-se.

É também a exteriorização de um anseio da alma criativa e intervenção na realidade.
É a projeção de uma vontade em algo real.

Pode ser confundida com artesanato e reciclagem.

Esta reflexão não tem a pretensão de definir o que é meta reciclagem, todavia pensar sobre suas práticas sob uma ótica de pesquisa e sobretudo contribuição para outros pesquisadores.


Referências:

Reddy, M. J. (1979). The Conduit Metaphor. Metaphor and Thought. A. Ortony. Cambridge, Cambridge University Press.

SCHWARTZ, Augusto de Oliveira, Os jogos eletrônicos Open Source e sua contribuição para o aprendizado escolar, 2010.

____________, http://homes.dcc.ufba.br/~frieda/mat061/relao.htm Acessado em: 14 de dezembro de 2012 as 20:17 horas.

____________, http://www.metareciclagem.org/ Acessado em: 22 de fevereiro de 2012 as 18:43 horas.

____________, http://pt.wikipedia.org/wiki/Artesanato Acessado em: 14 de dezembro de 2012 as 18:06 horas.

____________, http://pt.wikipedia.org/wiki/Reciclagem Acessado em: 14 de dezembro de 2012 as 17:34 horas.

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